100 anos de GLUCAGON

O Professor Pierre J Lefèbvre, PhD da Liège University-Belgium tem uma longa trajetória de estudos e publicações com o Glucagon e em artigo recente, “Glucagon, from past to present: a century of intensive research and controversies”, considera 2022, o Centenário do Glucagon. 

Tudo começou com a observação dos descobridores da insulina na Universidade de Toronto que ao administrarem em cães pancreatectomizados o primeiro extrato pancreático havia uma moderada e reprodutível hiperglicemia que precedia o desejado efeito de redução da glicose.  

Em 1923, Murlin e colegas atribuíram a este inesperado efeito hiperglicêmico a presença de uma substância glicogênica no extrato pancreático que foi denominada Glucagon, uma combinação das palavras Glucose e Agonist. 

Desde então formou-se uma extensa lista de momentos marcantes na trajetória de estudos e pesquisas sobre o glucagon em aspectos básicos de bioquímica, fisiologia pancreática, fisiopatologia do DM1 e DM2, receptores, agonistas de receptores bem como o agonismo e antagonismo terapêutico. Três cientistas em diferentes momentos receberam o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia por pesquisas com o Glucagon. 

Na vida real comemorando os 100 anos do Glucagon é oportuno avaliar como anda o acesso ao seu uso em Hipoglicemias Graves em pessoas com DM1 e DM2, em uso de insulina. Classicamente o Glucagon é disponível em Kits de Emergência (Glucagen Hypokit Pó 1mg c/1 Ampola +1 Seringa c/ Agulha Descartável +1mL de Diluente-Refrigerado – Novo Nordisk) para administração intramuscular ou subcutâneo devendo ser diluído no momento de uso, por não formar solução estável. São limitações técnicas que dificultam a sua utilização por pessoas que eventualmente prestam assistência a outra com hipoglicemia grave.

Há no entanto atualmente formas mais simples de administração do Glucagon. 1. GlucaGen® (Ogluo), solução injetável contendo 0.5 e 1 mg de Glucagon disponível em seringa preenchida autoinjetora com dose única para administração subcutânea. Aprovado na Europa pela European Medicines Agency (EMA)                                                                                                 2. Zegalogue® (Dasiglucagon), análogo de glucagon, disponível em seringa preenchida autoinjetora  com dose única para administração subcutânea. Aprovado pelo FDA.                                                                                              3. Gvoke® Glucagon injetável em doses de 0.5 e 1.0 mg em Sistema de Administração (GvokeHypopen®) e seringa preenchida (Gvoke PFS) com dose única.                                                                                                                          4. Baqsimi® (Glucagon) Pó para uso nasal 3.0 mg, Frasco Spray com dose única. Ainda não disponível no Brasil o Baqsimi® é um preparado de Glucagon para administração intranasal de maneira prática, simples e rápida. Está aprovado nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão.

Estudo recente publicado em D&MS, revista internacional e oficial da SBD avaliou o consumo global de Glucagon nos últimos anos  O objetivo do estudo foi avaliar o uso do Glucagon em pessoas com diabetes tipo 1 em vários países e investigar se a disponibilidade de formas mais simples de uso (Baqsimi®, Gvoke®, Zegalogue®) contribuíram em expandir o seu consumo comparado à forma tradicional em Kits de Emergência para diluir, nos anos de 2019 a 2021. O uso de Glucagon esteve estável de 2014 a 2019, com um pequeno mas significativo aumento de 2019 a 2021, que paradoxalmente ocorreu somente em países onde as formas mais simples de uso não estavam disponíveis. A conclusão é que o uso do Glucagon é muito baixo na maioria dos países e que não sofreu aumento com a disponibilidade de formas prontas para uso e de mais simples administração.

Com base nos dados de prevalência de DM1 no IDF Atlas 2021 estimou-se que 1/10 pessoas com DM1 usam Glucagon em hipoglicemias graves.

Há portanto uma longa caminhada a ser percorrida no acesso ao Glucagon em pessoas com DM1, em seus 100 anos.

Bibliografia.

André J Scheen, Pierre J Lefèbvre. Glucagon, from past to present: a century of intensive research and controversies. Lancet Diabetes Endocrinol 2022 Published Online December 22, 2022                                   https://doi.org/10.1016/S2213-8587(22)00349-7

Pierre J. Lefèbvre. Glucagon’s Golden Jubilee at the University of Liège.         Br J Diabetes Vasc Dis 2012;12:278-284                                                        DOI: 10.1177/1474651412469417

Murlin JR, Clough HD, Gibbs CBF, Stokes AM. Aqueous extracts of the pancreas: I. Influence on the carbohydrate metabolism of depancreatized animals. J Biol Chem 1923; 56: 253–96.

Pontiroli et al. Use of glucagon in severe hypoglycemia is scarce in most countries, and has not been expanded by new ready‑to‑use glucagons.                           Diabetology & Metabolic Syndrome (2022)14:193                     https://doi.org/10.1186/s13098-022-00950-6

Laerte Damaceno, MD, endocrinologista, Coordenador do site e Redes Sociais da SBD.