Canagliflozina e desfechos renais no diabetes mellitus tipo 2 e doença renal diabética

O assunto de hoje é sobre o estudo CREDENCE. Este trabalho incluiu a avaliação da medicação Canagliflozina e a melhora na função do rim em pessoas com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e foi publicado numa revista de grande prestígio na área médica chamada New England Journal of Medicine, em 13 de junho de 2019

A Canagliflozina é uma medicação da classe das gliflozinas que age especificamente no rim no cotransportador de sódio-glicose do tipo 2 localizado numa região do rim conhecida como túbulo proximal. E o que esse cotransportador sódio-glucose do tipo 2 faz afinal? Ele ajuda a absorver 1 molécula de glicose e 1 molécula de sódio. Desta forma, por que, então, não impedir o funcionamento deste cotransportador nas pessoas com DM2 e impedir que o rim absorva a glicose e o sódio? E é exatamente este o mecanismo de funcionamento da Canagliflozina. Esta medicação ajuda não apenas no controle da glicemia de pessoas com DM2, mas também ajuda a reduzir a quantidade de líquido no organismo.

Então, foi exatamente esta proposta também dos pesquisadores do estudo CREDENCE: inibir o cotransportador do sódio e da glicose no rim utilizando a Canagliflozina em pessoas com DM2 e doença renal diabética. Os problemas renais na doença renal diabética incluem a redução da taxa de filtração renal e a proteinúria, que é a perda de proteína pelos rins.

Este estudo foi muito importante pois o DM2 é a principal causa de doença renal crônica ao redor do mundo, ou seja, é a principal causa da necessidade de diálise ou de transplante renal. No entanto, poucos tratamentos eficazes a longo prazo estão disponíveis até o momento.

No estudo CREDENCE, os autores pensaram, então, em estudar os efeitos da Canagliflozina no rim de pessoas com DM2 e doença renal diabética:

Foi um estudo randomizado (ou seja, os pacientes foram sorteados para receber um tratamento com a Canagliflozina 100 mg/dia ou fazerem parte do grupo placebo, que é o grupo controle) e duplo-cego (ou seja nem os pesquisadores nem os participantes sabiam quem estava recebendo a Canagliflozina ou o placebo). Este tipo de estudo, randomizado, com grupo controle e duplo-cego é a melhor forma de estudarmos a eficácia de um medicamento, pois não tem interferência ou viés do pesquisador. Assim, os resultados são mais confiáveis.

E quem eram as pessoas com DM e doença renal diabética que foram incluídas no estudo? E quais eram os seus exames?

– Os indivíduos tinham uma média de idade de 63 anos e 34% eram do sexo feminino.

– As pessoas tinham DM2 e doença renal diabética com taxa de filtração renal de 30 a <90 ml/min/1,73m2 e proteinúria (razão entre albumina [mg] e creatinina [g] na urina) de mais de 300 a 5000 mg/g.

– Vale lembrar que quase todos os pacientes recebiam medicamentos para controle da pressão arterial e que são o padrão-ouro, ou seja, os inibidores da enzima conversora ou os bloqueadores do receptor da angiotensina II.

– O que os autores quiseram investigar é se o tratamento com Canagliflozina 100 mg/dia seria eficaz em diminuir a frequência de doença renal terminal (definida como a necessidade de diálise, transplante renal ou taxa de filtração renal sustentada <15 ml/min/1,73m2), duplicação do valor da creatinina ou óbito por causas renais ou cardiovasculares. Essas investigações foram definidas como desfechos compostos primários, pois foram avaliadas em conjunto.

E quais foram os resultados encontrado no estudo CREDENCE?

– Ressaltamos que o estudo foi interrompido logo após uma análise interina planejada, por recomendação do comitê de monitoramento de dados e de segurança. Naquela época, 4.401 pacientes haviam sido randomizados, com seguimento médio de 2,62 anos. E a interrupção aconteceu antes dos 5 anos previstos, pois os resultados foram muito bons! E, desta forma, os resultados precisavam ser divulgados o quanto antes para que as pessoas tivessem o benefício do tratamento com a Canagliflozina.

– Desta forma, o risco daquele desfecho primário (doença renal terminal, dobrar o valor da creatinina ou óbito por causa renal ou cardiovascular) foi 30% menor no grupo da Canagliflozina em comparação ao grupo placebo, de modo que ocorreram 43,2 eventos por 1000 pacientes-ano no grupo Canagliflozina e um número maior de eventos no grupo placebo, ou seja, 61,2 eventos por 1.000 pacientes-ano.

– Olhando de perto, agora, o impacto do uso da Canagliflozina nas investigações especificamente renais, ou seja, doença renal terminal, dobrar o valor da creatinina ou óbito apenas por causas renais, a Canagliflozina também reduziu o risco em 34%. E este achado foi significante do ponto de vista estatístico.

E quando cada uma daquelas investigações relacionadas ao funcionamento do rim foi realizada de modo separado, o que os autores encontraram?

– O risco de doença renal terminal foi 32% menor. Esse resultado tem grande importância, pois diminui em 32% a necessidade de diálise ou transplante renal em pessoas com DM2 e doença renal diabética.

O grupo Canagliflozina também apresentou um risco 20% menor de morte cardiovascular, infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral, além de um risco 39% menor para internação hospitalar por insuficiência cardíaca em comparação ao grupo placebo.

Vale ressaltar que não houve diferenças significativas nas taxas de amputação ou fratura nos pacientes que foram tratados com Canagliflozina ou com placebo.

Concluindo, em pacientes com DM2 e doença renal diabética, o risco de progressão da doença renal e eventos cardiovasculares foi menor no grupo tratado com a Canagliflozina em comparação ao grupo placebo durante um seguimento médio de 2,62 anos. A Cangliflozina ajudou a manter a taxa de filtração renal e a diminuir a perda da proteína pelo rim, indicando um melhor funcionamento do rim nas pessoas com DM2 e doença renal diabética.

Referência:

Canagliflozin and Renal Outcomes in Type 2 Diabetes and Nephropathy

Vlado Perkovic, et al. CREDENCE Trial Investigators. N Engl J Med 2019 Jun 13;380(24):2295-2306. doi: 10.1056/NEJMoa1811744. Epub 2019 Apr 14

Érika Bevilaqua Rangel
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  • Médica Nefrologista e Professora Adjunta na UNIFESP-EPM
  • Médica-pesquisadora do HIAE