Esclarecimentos quanto à indicação e método para a realização do Teste de Tolerância à Glicose Oral (TTGO) na gestação.

Autoria: Departamento de Diabetes e Gestação da Sociedade Brasileira de Diabetes: Biênio 2024-2025.
Coordenação: Lenita Zajdenverg
Membros: Airton Golbert; Alina Feitosa, Angela Reichelt, Carlos Antonio Negrato, Cristina Façanha; Fabíola Sater,
Monica Oliveira e Patricia Dualib.

A presença de hiperglicemia na gestante aumenta os riscos de pré-eclâmpsia, partos traumáticos, hemorragia pós-parto, necessidade de indicação de parto cesáreo, parto prematuro e aumento da taxa de abortamento. Para os filhos de mulheres com hiperglicemia na gestação há risco aumentado de desenvolverem macrossomia ou excesso de peso fetal, traumatismo no parto, hipoglicemia neonatal e icterícia. Além disso, a exposição intrauterina ao excesso de glicose aumenta o risco de obesidade desde a infância e doenças crônicas como diabetes tipo 2, hipertensão arterial e dislipidemia ao longo da vida. O Diabetes Mellitus Gestacional (DMG) é definido pela presença de valores de glicemia materna elevados que se associaram ao aumento do risco de complicações na gravidez.

A avaliação dos valores de glicemia que se correlacionavam com maior risco de desenvolvimento de complicações foi realizada pelo grupo do estudo Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcomes (HAPO). O HAPO foi um estudo observacional, multicêntrico, que incluiu aproximadamente 25000 gestantes de diferentes etnias sem diagnóstico prévio de diabetes. As gestantes realizaram um teste de tolerância à glicose oral (TTGO) com ingestão de 75 gramas de glicose anidra entre a 24ª e 32ª semanas de gestação com medida da glicemia plasmática em jejum, 1 hora e 2 horas após. Os resultados do HAPO foram publicados em 2008 e revelaram que há uma associação forte e contínua da glicemia materna com aumento do peso ao nascer, acúmulo de tecido adiposo no recém nato e aumento da secreção de insulina pelo pâncreas do concepto.

Em março de 2010 foram publicadas pela International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG) recomendações para padronização mundial dos critérios para o diagnóstico do DMG baseadas no estudo HAPO. Esse critério é também recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo Ministério da Saúde Brasileiro, pela SBD e pela FEBRASGO. São elas:

  • O rastreamento do diagnóstico de DMG deve ser feito em todas as gestantes sem diagnóstico prévio de diabetes.
  • O TTGO com 75 g de glicose anidra via oral é o método padrão-ouro para diagnóstico de DMG.
  • Em caso de indisponibilidade de glicose anidra, pode-se fornecer 82,5 g de glicose monoidratada (dextrose) via oral.
  • Devem-se realizar medidas da glicose plasmática em jejum, 1 e 2 horas após a ingestão de 75 g de glicose anidra.
  • O diagnóstico de DMG é conÞrmado quando pelo menos 1 dos valores de glicemia a seguir esteja presente: jejum ≥92 e < 126 mg/dL; 1 hora ≥ 180 mg/dl; 2 horas ≥153 e <200 mg/dL.
  • Valores de jejum ≥ 126 mg/dl ou de 2 horas ≥200 mg/dl definem a presença de diabetes diagnosticado na gestação (overt diabetes) e estão associados ao risco maior de complicações gestacionais.

Os limiares nas medidas das glicemias para o diagnóstico de DMG são estreitos. Portanto, para obter diagnóstico e classificação confiáveis de hiperglicemia na gravidez, os laboratórios clínicos devem medir a glicose plasmática venosa ou sérica respeitando técnicas que minimizem o risco de comprometimento dos resultados.

O exame deve ser realizado em condições técnicas adequadas e alguns cuidados devem ser observados:

  • O TTGO deve ser realizado após 8 horas de jejum e precedido por 3 dias de dieta sem restrição de carboidratos com, no mínimo, ingestão diária de 150 g de carboidratos.
  • A gestante deve permanecer em repouso ao longo das 2 horas de teste.
  • O uso de soluções que contenham quantidades maiores ou menores que 75 gramas de glicose anidra compromete a interpretação dos resultados.
  • O exame deve ser realizado através de métodos enzimáticos de alta precisão.
  • A coleta das amostras em frascos e processamento em tempos adequados evita processo de glicólise pré-analítica (in-vitro).
  • As concentrações de glicose capilar e venosa diferem e não são intercambiáveis, e os fatores de conversão não estimam com precisão valores equivalentes.
  • A realização de avaliação apenas da glicemia de jejum ou a não realização das 2 medidas pós 75 gramas de glicose reduz a acurácia do diagnóstico. A medida apenas da glicemia de jejum identifica o diagnóstico em 8,3% dos casos. A medição da glicose de 1 h identificou um adicional de 5,7% e a medida de 2 horas identificou mais 2,1% de casos. Entre a coorte do HAPO, 11,1% tiveram apenas um resultado elevado, 3,9% tiveram dois resultados elevados e 1,1% tiveram elevação de todos os três resultados.

O rastreamento adequado do DMG é fundamental para identificar precocemente a condição e implementar as intervenções necessárias para proteger a saúde da mãe e do bebê, prevenindo complicações durante e após a gravidez.

Fontes recomendadas:

Zajdenverg L, Façanha C, Dualib P, Golbert A, Moisés E, Calderon I, Mattar R, Francisco R, Negrato C, Bertoluci M. Rastreamento e diagnóstico da hiperglicemia na gestação. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2023). DOI: 10.29327/557753.2022-11, ISBN: 978-85-5722-906-8. Acessível em https://diretriz.diabetes.org.br/rastreamento-e-diagnostico-da-hiperglicemia-na-gestacao/

HAPO Study Cooperative Research Group; Metzger BE, Lowe LP, Dyer AR, Trimble ER, Chaovarindr U, Coustan DR, Hadden DR, McCance DR, Hod M, McIntyre HD, Oats JJ, Persson B, Rogers MS, Sacks DA. Hyperglycemia and adverse pregnancy outcomes. N Engl J Med. 2008 May 8;358(19):1991-2002. doi: 10.1056/NEJMoa0707943. PMID: 18463375.

International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups Consensus Panel; Metzger BE, Gabbe SG, Persson B, Buchanan TA, Catalano PA, Damm P, Dyer AR, Leiva Ad, Hod M, Kitzmiler JL, Lowe LP, McIntyre HD, Oats JJ, Omori Y, Schmidt MI. International association of diabetes and pregnancy study groups recommendations on the diagnosis and classiÞcation of hyperglycemia in pregnancy. Diabetes Care. 2010 Mar;33(3):676-82. doi: 10.2337/dc09-1848. PMID: 20190296; PMCID: PMC2827530.