A SBD e a SBEM se manifestam em relação ao veto presidencial ao Projeto de Lei 2.687/2022 que classifica o diabetes mellitus tipo 1 (DM1) como deficiência, para todos os efeitos legais, tendo como objetivos a garantia de direitos e acesso aos especialistas, equipe multidisciplinar, medicamentos e insumos essenciais no tratamento de pessoas com DM1, bem como a participação plena na sociedade.
O projeto, aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, por unanimidade, representa um marco fundamental na promoção da equidade e na redução das desigualdades enfrentadas por essa população, entre as diferentes classes sociais e regiões do Brasil.
De acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, devem ser incluídos como pessoas com deficiência (PcD) aqueles que têm impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que em interação com uma ou mais barreiras, podem ter obstruída a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. O DM1 é uma doença autoimune, incurável, causada pela destruição das células que produzem insulina, tornando obrigatória a aplicação deste hormônio que deve ser orientada por medições frequentes de glicose. O DM1, em geral, surge na primeira ou segunda infância e, portanto, reflete uma condição de quase uma vida inteira convivendo com a doença, ou seja, um impedimento de longo prazo. Na ausência de insulina o corpo não consegue utilizar a glicose como fonte de energia e passa a consumir proteína e gordura. Esse processo leva a hiperglicemia grave, desidratação e redução do pH sanguíneo (acidose) que evoluirá para coma cetoacidótico e óbito, se a insulina não for prontamente administrada. Então, a falta de acesso à insulina, por qualquer motivo, pode levar à morte em pouco tempo e um tratamento insuficiente levará, em alguns anos, ao desenvolvimento de complicações crônicas relacionadas ao diabetes, com alto custo financeiro e social. Neste sentido, pesquisadores nacionais demonstraram que 31% dos
adolescentes com DM1, no Brasil, já apresentam complicações relacionadas ao diabetes, devido ao controle glicêmico inadequado. Por outro lado, a administração de insulina necessita ser muito precisa, uma dose ligeiramente maior pode causar uma redução expressiva no nível de glicose, que quando não percebida e tratada imediatamente, pode evoluir rapidamente para coma hipoglicêmico e morte.
O DM1 é uma doença muito complexa, uma deficiência que requer a interação com uma equipe multidisciplinar e, além disso, deve-se levar em consideração o impacto familiar de uma criança ou um adolescente diagnosticado com o DM1. São diversos desafios emocionais e financeiros que podem levar ao estresse crônico e ansiedade. A necessidade de monitoramento e cuidado constantes pode afetar negativamente a qualidade de vida de todo um sistema familiar.
A situação se agrava no ambiente escolar, pois o corpo docente e demais funcionários não estão preparadas para auxiliar os alunos na aplicação de insulina e muito menos no reconhecimento e tratamento de episódios de hipoglicemia e de hiperglicemia. Neste cenário, os cuidadores, frequentemente pais e mães, enfrentam a necessidade de renunciar suas carreiras para cuidarem de seus filhos. Os pais sentem-se sobrecarregados pela responsabilidade de gerenciar o controle glicêmico de seus filhos e pela necessidade de ajustar os recursos financeiros e a rotina a essa condição. Na adolescência as dificuldades aumentam, o incremento na ação de diversos hormônios dificulta ainda mais o controle da glicemia e podem ter início as complicações relacionadas à doença. Sentimentos de inadequação são frequentes e trazem grandes prejuízos mentais e sociais, que podem persistir na vida adulta.
O maior estudo epidemiológico já realizado sobre o DM1, o TD1 Index, foi publicado em 2022.
O estudo avaliou as melhores evidências científicas disponíveis sobre a situação de pessoas com DM1, em 201 países, incluindo o Brasil, e os dados são estarrecedores. Estima-se que 1 em cada 9 brasileiros com DM1 morre por não receber o diagnóstico correto e não ter acesso ao tratamento com insulina. Só em 2022, 2.140 pessoas teriam morrido por falta de diagnóstico.
Crianças diagnosticadas aos 10 anos de idade perdem em média 33,2 anos de vida saudáveis.
Desses, 5,7 anos são atribuídos às complicações e 25,4 à morte prematura. O número total de mortes prematuras estimado no Brasil é próximo de 235 mil vidas, ou seja, alcança cerca de 29% das pessoas com DM1. Vale reforçar que um número muito pequeno dos pacientes consegue atingir o controle necessário para se proteger de complicações crônicas associadas ao diabetes.
Infelizmente, o tratamento inadequado ainda está entre as causas principais de cegueira, de
amputações, de hemodiálise, de doenças cardiovasculares e de morte precoce. Estes dados expõe a fragilidade do tratamento do DM1 no Sistema Único de Saúde.
Após o entendimento sobre o DM1 e as dificuldades enfrentadas por pessoas com este
diagnóstico, em nosso país, passaremos a discutir o veto presidencial. O primeiro argumento utilizado para o veto presidencial afirma que “a proposição viola o art. 5o, § 3o, da Constituição, por contrariar a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que reconhece que a deficiência resulta da interação entre a pessoa e as barreiras sociais, e não de uma condição médica específica”. Neste sentido, a SBD e a SBEM lembram que a Convenção Internacional e o estatuto da PcD estabelecem o DM1 como deficiência em diversos países (Reino Unido, EUA, Finlândia, França, Canadá, Chile, Colômbia entre outros) que já concedem benefícios às pessoas com DM1. TODAS as pessoas com DM1 possuem deficiência na produção de um hormônio vital, a insulina, a qual não pode ser prevenida ou evitada, configurando um impedimento de longo prazo de natureza física, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode, sem dúvida, obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas e ainda coloca sua vida em constante risco, caso suas necessidades especiais não sejam prontamente atendidas.
Outro argumento utilizado para o veto presidencial, é a afirmação que o PL 2.687/2022
“contraria o interesse público ao classificar o diabetes mellitus tipo 1 como deficiência sem
considerar a avaliação biopsicossocial”. A SBD e a SBEM argumentam que no PL 2.687/2022 todas as pessoas com DM1, que enfrentam as dificuldades descritas acima para o exercício da cidadania, serão consideradas PcD. No entanto, há necessidade da avaliação biopsicossocial para o recebimento do BPC (Benefício de Prestação Continuada), popularmente conhecido como LOAS, um dos direitos sociais mais relevantes no Brasil, criado para garantir um amparo financeiro às pessoas em situação de vulnerabilidade e que desempenha um papel crucial na promoção da dignidade humana. Muitas famílias dependem desse auxílio para enfrentar as dificuldades do dia a dia. Em relação ao tópico fonte de custeio, a SBD e a SBEM acreditam que em curto, médio e longo prazo os recursos poderão advir da economia alcançada com a redução das internações hospitalares e dos custos associados à presença de complicações relacionadas ao diabetes, nesta população que passará a ter melhor acesso à educação, ao mercado de
trabalho e ao tratamento necessário.
A SBD e a SBEM esperam que o Congresso Nacional preserve o mérito e a importância do PL
2.687/2022 para a saúde da população, mantendo assim a decisão inicial do Parlamento, por meio da derrubada do veto presidencial, mitigando os impactos do DM1 e fortalecendo o
compromisso do Brasil com uma saúde pública mais justa e inclusiva. Por fim, reafirmamos
nosso compromisso com a defesa da saúde da população brasileira e entendemos ser essa
demanda legítima e essencial para promover equidade e garantir melhores condições de vida para todos os brasileiros que vivem com o DM1.
São Paulo, 14 de maio de 2025.

Dr Ruy Lyra
Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD)

Dr Neuton Dornelas Gomes
Presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
Referências:
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