O acesso à Insulina

Laerte Damaceno, MD, endocrinologista, coordenador do site e redes sociais da SBD.

“O acesso à insulina, mesmo tendo causas variadas, se inicia com uma prescrição adequada e oportuna em todos os níveis de atendimento às pessoas com diabetes”

O Professor Daniel Drucker, da Universidade de Toronto na Conferência de abertura da Edição ONLINE do XXIII Congresso da Sociedade Brasileira de Diabetes em 25 de novembro de 2021 iniciou a discussão de um tema recorrente, não abordado o suficiente nas comemorações dos 100 anos de descoberta da insulina: o ACESSO à INSULINA e assim pontuou:

“Seria uma grande falha moral da nossa sociedade se depois de 100 anos ainda sejamos incapazes de fornecer insulina a todas as pessoas que dela precisam. Para mim, se você tem diabetes tipo 1, a insulina é como água” Na oportunidade o Professor Drucker mencionou de maneira sumária as causas envolvidas no acesso à insulina.

O acesso à insulina foi motivo de preocupação dos próprios descobridores, Frederick Banting, J.J.R. Macleod, Charles Best e James Collip considerando que a insulina era uma conquista da humanidade. Sua patente foi cedida para a Universidade de Toronto pelo valor simbólico de 1 dólar canadense. A existência de um ecossistema inovador à época, na Universidade de Toronto viabilizou a descoberta da insulina, sua produção em escala e distribuição global em um prazo recorde a preços justos. Aproximadamente 10 grandes empresas no verão de 1923 já estavam produzindo insulina em grande escala nos Estados Unidos, Reino Unido, Dinamarca, Alemanha, Holanda e Austrália.

A produção em escala, a distribuição global e preços justos, foram as preocupações iniciais mas não as únicas. À medida que a insulina se tornava disponível de maneira estável iniciou-se um grande esforço para qualificação dos médicos para a prescrição absolutamente inovadora.

Este esforço reuniu, o Diretor de Pesquisas da Eli Lilly Ltd, Dr. George Clowes, a Universidade de Toronto, o Dr. Elliot P. Joslin da Harvard Medical School, Boston, Dr. Frederick Allen do Rockefeller Institute, New York, o British Medical Research Council, lideranças americanas, e os Drs. August Krogh (Prêmio Nobel de Fisiologia, 1920) e Hans Christian Hagedorn, da recém-criada Fundação Nordisk, Dinamarca.

Em um número do Journal of the American Medical Association com as imagens icônicas da criança JL de 3 anos, antes e após o tratamento inicial, a insulina foi apresentada aos médicos da época.

Em 2019, com base no Global Burden of Diseases, Injuries and Risk Factors Study (GBD) 2019, 16.300 mortes globais, devido ao diabetes (tipo 1 e tipo 2 combinados) ocorreram em jovens com menos de 25 anos de idade dos quais 73,7 % foram considerados como devido ao tipo 1. A taxa de mortalidade padronizada por idade foi de 0,50 (0,44 a 0,58) por 100.000 habitantes e 15.900 destas mortes ocorreram em países com SDI (SUSTAINABLE DEVELOPMENT INDEX) baixo a médio-alto.

No Brasil, um país com SDI médio, no período de 1991 a 2010 houve uma redução na mortalidade por complicações agudas do diabetes em 70.9%, de 8.42 mortes por 100.000 habitantes para 2.45 por 100.000 habitantes. Esta redução ocorreu em homens e mulheres de todas as idades e todas as regiões. Tal resultado é atribuído à implementação de um Sistema Nacional de Saúde, SUS (Sistema Único de Saúde) ampliando o acesso à insulina e aos cuidados em diabetes.

O SUS, tem como princípios, Universalidade, Equidade, Integralidade, Descentralização, Regionalização, Hierarquização e Participação Social. Na participação Social a Sociedade Brasileira de Diabetes está integrada a este Sistema de Saúde desde seu início contribuindo no desenvolvimento da assistência, do ensino e da pesquisa em todos os níveis de múltiplas categorias profissionais. Tem participado ainda nos esforços de padronização e disponibilização de insulina e de modalidades terapêuticas mais adequadas.

Se nas mortes por complicações agudas houve um significativo avanço, a insulinização de uma forma geral é ainda precária. Estudo clínico realizado em 12 Centros de Diabetes de diferentes regiões do Brasil mostrou que 10,4% de pacientes com diabetes tipo 1 (DM1) e 26,8% com diabetes tipo 2 (DM2) encontravam se na meta de controle, definida como uma hemoglobina
glicada < 7.0%.

É compreensível o baixo índice de insulinização no Brasil que contribui de maneira importante pelo mau controle metabólico. A insulinoterapia é complexa, difícil até mesmo para profissionais experientes. Difícil ainda é estimar o número de médicos que usam a insulina com familiaridade! É possível que sejam os mesmos familiares com a endocrinologia e a diabetologia o que vem a ser aproximadamente 10.000 no máximo, concentrados em grandes áreas urbanas, vinculados à medicina privada e suplementar. Para estes profissionais são dirigidos os esforços em levar conhecimento em insulinoterapia.

No entanto a maioria das pessoas com diabetes encontra-se nas Unidades Básicas de Saúde onde os médicos que aí trabalham necessitam melhor qualificação em diabetes, especialmente a insulinoterapia.

No cumprimento de sua missão a Sociedade Brasileira de Diabetes desenvolve suas ações através de novos padrões de educação e assistência, novos formatos digitais e novas tecnologias capazes de maximizar a aprendizagem de grandes audiências especialmente em centros distantes.

Juntamente a outros atores a Sociedade Brasileira de Diabetes pode dar contribuição significativa à melhora do conhecimento em insulinoterapia, uma vez que o acesso à insulina, mesmo tendo causas variadas, se inicia com uma prescrição adequada e oportuna em todos os níveis de atendimento às pessoas com diabetes.

Referências
The Discovery of Insulin
Michael Bliss
University of Toronto Press, 2007.

Human Insulin Clinical Pharmacological Studies in Normal Man
D.R. Owens M.D. MTP Press Limited 1986

GBD 2019 Diabetes Mortality Collaborators.
Lancet Diabetes Endocrinol 2022; 10: 177–92 Published Online February 7,
2022 https://doi.org/10.1016/S2213-8587(21)00349-1 

The decline in mortality due to acute complications of diabetes mellitus in
Brazil,1991–2010 Klafke et al. BMC Public Health (2015) 15:772
DOI 10.1186/s12889-015-2123-5

Prevalence and correlates of inadequate glycaemic control: results from a
nationwide survey in 6,671 adults with diabetes in Brazil Acta Diabetol (2010)
47:137–145 DOI 10.1007/s00592-009-0138-z

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